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Paixão

 

A paixão é uma vivência afetiva fantástica e devastadora, para entendê-la melhor e podermos tentar explica-la deveríamos primeiro compreender sua etimologia. A palavra paixão originalmente designava o modo como a alma ou a psique é afetada

de fora, ou seja, como ela é passiva diante das impressões que recebe. Passivo e paixão vêm do grego Pathos, mesma palavra que de onde se derivaram os verbetes patológico e paciente que nos remetem atualmente a idéia de doença. Para os gregos da escola filosófica do ex-escravo Epicteto (50-138 d.c.), seguidores do Estoicismo, todas as doenças tinham em sua base a frustração de uma expectativa motivada por uma paixão. Daí a idéia negativa que se tem do termo “escravo da paixão”. Realmente podemos nos tornar escravos ou loucos, como os ditos das expressões populares (“louco de amor”, “louco por você”). O vínculo entre o amor e a loucura sugeridos por essas expressões pode ter um fundamento neurobiológico se aproximando do Transtorno Obsessivo (quando os pensamentos persistem incessantemente em direção a um único objeto ou tema).

Em estudos recentes as concentrações de substâncias que refletem o funcionamento cerebral são alteradas da mesma forma nos amantes e nas pessoas que sofrem de transtornos obsessivos. “Amar como um louco”, portanto, não seria mera figura de linguagem. Na Universidade de Pisa (Itália, 1999), foi testada a hipótese de que do amor a obsessão e ao delírio haveria apenas a um passo medindo a concentração do transportador de serotonina (proteína presente no sangue e cérebro que regula a concentração desse neurotransmissor que influencia o humor e o comportamento). Três grupos de pessoas foram testadas “normais”, ‘apaixonados a pouco tempo” e os “obsessivos”. Constatou-se que o transportador de serotonina variou de forma igual nos apaixonados e nos pacientes com Transtorno Obsessivo. Outro achado revelador foi o das imagens cerebrais realizados pelo PET (tomografia por emissão de pósitrons capaz de medir quais áreas cerebrais estão consumindo mais oxigênio e glicose, portanto mais ativas) que evidenciou que tanto nas pessoas com o Transtorno Obsessivo quanto nos apaixonados (quando esses pensavam na pessoa amada) uma área denominada Núcleo Caudado estava hiperativada.

Ainda utilizando o PET mostrou-se que sensações amorosas parecem desativar diversas regiões cerebrais responsáveis por emoções negativas – por exemplo, áreas do lobo frontal direito e partes da amigdala, ativadas em caso de medo, tristeza e agressões (portanto o amor nos torna mais corajosos e dóceis, infelizmente encontramos dificuldades para prescrevê-lo, pois não podemos manipulá-lo em nenhuma farmácia). A diferença entre ambos (Transtorno Obsessivo e Delírio) consiste no “grau de certeza” de quem o experimenta: no obsessivo predomina a dúvida e a introspecção (a pessoa tem a crítica preservada em relação a situação e as idéias obsessivas que emanam de sua mente, mas não pode controlá-las); nos delírios prevalece a certeza (a pessoa paranóica está convicta de que alguém a quer mal por exemplo) e a perturbação das capacidades de introspecção(a pessoa está convicta de que tem razão e que os outros é que estão errados). A paixão evolui entre a obsessão e o delírio, pois o apaixonado está convicto do valor do ser amado e de seu sentimento, mas sabe que essa idéia é um produto de seu psiquismo. Sabemos que o amor apaixonado também proporciona felicidade e intensas satisfações, ao passo que o Transtorno Obsessivo é um sofrimento.

A fronteira entre ambos é que com o passar do tempo a paixão sofre modificações e a serotonina deixa de ser seu principal neurotransmissor dando lugar a dopamina (que é o neurotransmissor do prazer). Isso foi verificado nos indivíduos “recém apaixonados” do teste após um ano, quando consumaram sua conquista (acabando com o “platonismo” realizando o ato sexual). Em outras palavras a paixão obsessiva da fase inicial da conquista pode se transformar no prazer duradouro e estável do amor. Por outro lado quando as dúvidas obsessivas não cessam e a desconfiança chega num ponto psicótico delirante (como nos casos de delírio de ciúmes – também chamado de celomático) a díade pode vivenciar por muito tempo um estado de penúria e grande miséria afetiva. A maior intensidade dos sentimentos amorosos parte de emoções negativas como medo e estresse. Pesquisas confirmam que pais que quiseram evitar relacionamentos românticos dos filhos acabaram por alcançar o contrário. Como retratado por Sheakespeare no famoso Romeu e Julieta (onde no passado dois jovens românticos-rebeldes desafiam as leis sociais vigentes morrendo como prova de amor).

O que ilustra bem a paixão romântica de primeira safra onde havia apenas um amor-paixão único pela vida toda, não dava para se apaixonar ou amar duas vezes. O amor de verdade geralmente não dava certo, e a pessoa morria. Hoje o que ocorre é aquilo que a mídia veicula como modelo, ou seja, lutos muito curtos para cada fim de caso e partamos depressa para outra história. O amor não é mais trágico, ele não mata mais. Mas, quantas pessoas conseguem isso? Para cada estrela de TV que quando termina um namoro e logo engata outro, quantas pessoas comuns sofrem um luto que se torna indizível (porque ninguém agüenta ouvir ou falar dele) e não correspondem ao ideal de vida sempre intensa, sempre apaixonado? A questão é que isso funciona para muito poucos, de modo geral apenas para aqueles que aceitam viver as coisas só na superfície, na aparência. Por isso o amor romântico de hoje se tornou um mito, de algo que move as pessoas sem ser verdadeiro, tornando-se banal sem um impacto da paixão que nos faz enfrentar todos os obstáculos. Com essa mídia da paixão acabamos bastante despreparados para entender nossos próprios sentimentos, nossa forma de agir e sentir.

A paixão de hoje é mercadoria de consumo. Não tem mais a ver com o destino, com os riscos, com o enfrentamento. E por isso o fim do amor romântico é uma pena. Pode ser o final da disposição para desafiar os poderes.

Vítor Giacomini Flosi Psiquiatra, Acupunturista, Psicoterapeuta, Mestre em Ciências da Saúde Pela Faculdade de Medicina de SJ Rio Preto (FAMERP) Clínica Espaço Mental / Tel. (17) 3231-9441 Rua Imperial, 722, Bairro Imperial, São José do Rio Preto-SP Danielle Lobato Gouveia Flosi Psicóloga Clínica. Especialista em Psicoterapia Cognitivo Comportamental e Psicologia Hospitalar Clínica Espaço Mental / Tel. . (17) 3231-9441 Rua Imperial, 722, Bairro Imperial, São José do Rio Preto-SP

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